Frances Ha

Quando eu botei o pé pra fora do cinema, eu não sabia pra onde ir. Errei o caminho pra saída, andei na direção contrária à do metrô e por pouco não fui pro outro lado da cidade, bem longe da minha casa. Eu estava hipnotizado, confuso, mas – acima de tudo – eu não conseguia parar de pensar no que tinha acabado de ver. E eu só lembro de ter saído do cinema desse jeito em outros dois filmes: A Árvore da Vida e Melancolia, que considero dois dos melhores e mais bonitos filmes que vi na minha vida.

Porém, diferentemente da complexidade técnica e da narrativa filosófica de A Árvore da Vida e da densidade humana de Melancholia, Frances Ha passa longe de ser um filme complexo. Ele é bastante orgânico, orgânico até demais, o que faz você invariavelmente se apegar bastante às personagens, especialmente Frances (interpretada pela Greta Gerwig de uma maneira assustadoramente boa, na minha opinião).

Com base nesse apego, você acaba completamente imerso na história e nas reviravoltas emocionais do filme. Apesar de Frances estar sempre atribuindo maneiras alegres e positivas para lidar com os problemas que ela esbarra constantemente, há também os momentos de tristeza e solidão, e eles interagem de uma maneira bastante delicada com o público que está imerso na história daquela garota. Eu não consegui sentir o impacto emocional de nenhum deles até o final, por exemplo, quando o filme acabou e eu fiquei encarando os créditos e pensando em tudo que havia visto, e como tudo aquilo afetou a vida da Frances, e… eu ainda estou buscando uma maneira para poder explicar, mas parece uma sensação impossível de descrever.

Eu acho que alguns filmes você simplesmente deve assistir para conseguir compreender tudo o que ele está disposto a expressar, e Frances Ha é um deles. Com toda a bagagem que ele coloca numa narrativa sobre uma garota aprendendo a lidar com a sua vida, eu acho difícil não se identificar com pelo menos alguma parcela daquela personagem. Você há de concordar que em alguma ação dela, em algum diálogo, alguma ideia ou algum gesto, você vai se sentir como olhando para um espelho. Simplesmente pelo fato dela ser tão “orgânica” e “comum” que todos nós temos um pouco da Francis conosco.

E pensando bem, talvez tenha sido por isso que saí tão embasbacado do cinema. Eu vi ali muita coisa minha, e muita coisa de pessoas próximas a mim, e eu fiquei assustado com aquilo tudo. Mas assustado de uma maneira positiva, especialmente pelo fato de que a mensagem geral do filme era positiva. Apesar de ter sido inundado por toda a carga emocional triste somente no final da sessão, relembrando as situações do decorrer da história, o resultado final – e a mensagem final que Frances Ha teve para mim – foi algo muito bom. Eu estou quase equiparando ele a Into The Wild, outro filme importantíssimo para mim e que me deixa num estado similar.

Não, não vou comentar sobre a fotografia (que é uma pérola de iluminação e simetria, e por ser toda em preto-e-branco nos deixa focados nas personagens e na história) ou na narrativa em si. Eu só quero reforçar como a experiência foi excelente. É um filme que eu não considero complexo, mas também não acho que ele seja fácil de assistir. É um filme excelente, e eu só tenho que agradecer à propaganda do Tarantino, do Edgar Wright e, mais importante, da Bianca, que insistiu para que eu assistisse logo esse filme. O meu único arrependimento é não tê-lo visto mais cedo.

Gravidade

Uma obra de arte. Pura e simplesmente, uma obra de arte. O Cinema esperou quarenta e cinco anos para conceber um filme como Gravidade, que tivesse a moral de se tornar um “pupilo” do 2001: Uma Odisseia no Espaço. O filme, que acaba de entrar no meu Top 3 de filmes espaciais junto do próprio 2001 e Moon, é uma virtuose de direção, cinematografia, narrativa e trilha sonora, uma aula para ser estudada pelos mais diversos campos. Digo mais: Uma obra a ser respeitada.

Antes de mais nada, Gravidade é uma grande metáfora. Ele é muito além do que parece ser, especialmente na questão narrativa. A história “principal”, por assim dizer, é bem simples: Após complicações numa missão de reparo do Hubble, os astronautas Ryan Stone (Sandra Bullock) e Matt Kowalski (George Clooney) precisam sobreviver a uma sequência desastrosa de eventos com potencial fatal e retornar para a Terra. Porém, a narrativa formada para contar essa história simples é o toque de gênio aqui, e é isso que torna Gravidade um dos melhores filmes que vi na vida.

Gravidade é um filme que precisa ser assistido em IMAX 3D. É onde você consegue toda a qualidade do filme, seja sonora ou visual, e onde você consegue absorver melhor a experiência que ele se propõe a passar. É um dos poucos filmes em que o 3D contribui MUITO MAIS do que atrapalha, então se possível, veja o filme em 3D. Além do mais, os efeitos especiais também tem um uso importantíssimo aqui. Diferentemente dos filmes do Michael Bay, onde os efeitos aparecem para se destacar e tomar a atenção de quem está assistindo, em Gravidade eles funcionam para aprimorar a narrativa. Nenhum efeito é colocado lá à toa, ou aparece na tela para tomar o destaque dos personagens. Eles acontecem porque eles precisam acontecer, caso contrário não haveria um fluxo narrativo para aquela história. É bem raro ver um filme assim, e o Alfonso Cuáron merece um abraço pelo simples fato de ter conseguido dirigir isso tão bem.

Falando no Alfonso Cuáron, ele teve um trabalho excepcional na direção aqui. Eu já sou fã dele há muito, e Children of Men é um dos meus filmes de ficção científica favoritos. Mas o que torna Gravidade tão espetacular é o zelo que é aplicado em algumas cenas, e como isso reforça sentimentos que estão sendo apresentados na história. Uma dessas cenas é quando, bem no começo do filme, a Sandra Bullock está rodopiando pelo espaço, sem comunicação nenhuma com ninguém. Nesse momento a câmera começa a se afastar, deixando a astronauta se mesclar à escuridão do espaço e das estrelas, como se ela estivesse se tornando parte do todo. Quando ela recupera o contato a câmera dá um zoom, trazendo a astronauta novamente pro destaque, mostrando que ainda há esperança para ela. Eu achei esse momento sensacional.

Outro fator muito bem trabalhado é o fato de JAMAIS mostrar a equipe de Terra, que é representada somente pela voz do Ed Harris (uma ótima escalação, aliás). Esse fato reforça o abandono e a claustrofobia vivenciada pelos astronautas, mostrando que, apesar de todo o revés que está acontecendo, tudo aquilo é apenas um problema DELES. É uma história sobre astronautas, e o filme faz muito bem em focar apenas neles.

Astronautas. Como já foi dito, o filme fala sobre dois astronautas, a Dra. Stone e o veterano Matt Kowalski. E aí está um dos pontos mais importantes do filme, uma vez que tudo funciona para contar a história desses dois. A Dra. Stone, interpretada MUITO BEM pela Sandra Bullock, é uma personagem muitíssimo interessante. Ela me lembra muito, em seu conceito geral, a Lara Croft do Tomb Raider lançado neste ano: Uma personagem feminina que passa longe de ser a tão falada “donzela indefesa”, mas que também não é aquela que tem a solução para tudo. Ela precisa batalhar e sofrer – e coloque uma ênfase imensa no sofrer – para conseguir reverter as adversidades e alcançar os seus objetivos. É o tipo de personagem que te faz sofrer por vê-la sofrendo, e que te faz ficar aliviado quando ela se supera (essa imersão também é culpa da cinematografia, mas falo disso em breve). Já o George Clooney apresenta um personagem um tanto típico, mas interpretado de maneira incrivelmente boa. As expressões de tristeza e angústia são dolorosamente críveis, e isso cria uma empatia imensa com o seu personagem. Atuações que impressionam caso você vá levar em consideração apenas os filmes “clichê” em que eles geralmente atuam. Aposto que pelo menos indicações ao Oscar ambos levarão, porque a atuação vista em Gravidade é fenomenal.

E já que comentei da cinematografia, preciso abrir um parágrafo à parte para falar dela. Emmanuel Lubezki já é meu ídolo desde as cenas hipnotizantes de Sleepy Hollow (1999) e da maravilha indescritivelmente bela que é A Árvore da Vida (2011). Mas é quando ele se junta com o Alfonso Cuáron que vemos algumas das melhores cenas do cinema. Ambos são fãs de planos longos, geralmente ultrapassando os 10 minutos. Em Children of Men, o primeiro filme que assisti com essa parceria, uma das cenas finais se passa no meio de um combate bélico pesado, com muita destruição e escombros, e o Clive Owen transita por todo o caos sem que haja nenhum corte. É uma cena tensa, angustiante, e que dura 10 minutos. Em gravidade vemos um plano assim logo na primeira cena, que – chuto eu – deve ter seus 14 minutos. Nela vemos uma técnica cinematográfica incrível, com a câmera apresentando todos os pontos importantes sem haver a necessidade de cortes aparentes. Num dos momentos, inclusive, a câmera entra no capacete, dando um super-close no rosto da Sandra Bullock e mostrando toda a situação pelo ângulo dela, e logo em seguida sai do capacete. E isso tudo, reitero, sem que haja nenhum corte. Isso me deixou impressionadíssimo, e mesmo conhecendo a técnica utilizada (li numa entrevista, não sou bom para conseguir deduzir) eu fiquei boquiaberto.

Além disso, a câmera é extremamente natural e leve, muito orgânica – praticamente como se tivesse sido colocada dentro do capacete de outro astronauta: Você. E ao colocar o espectador numa visão de DENTRO da história (experiência reforçada pela qualidade técnica do IMAX) o filme contribui para te manter imerso, tornando-se ainda mais uma experiência tensa e empolgante. E alguns outros detalhes são importantes para que eu fique ainda mais fã da cinematografia do Lubezki: Mesmo girando muito, afinal os personagens estão submetidos à ausência da gravidade, o movimento da câmera não te enjoa. Ele é certeiro, mesmo ignorando aparentemente qualquer espécie de eixo que exista para indicar um “chão”. O cuidado com isso deve ter sido imenso, porque poderia ser um problema gigante para alguns espectadores. Mas em momento algum eu me senti enjoado ou vi alguém que estivesse reclamando disso, o que é um mérito. E outro detalhe é como algumas gotas e lágrimas parecem bater na câmera, como se REALMENTE fosse o visor do capacete de um outro astronauta. Esses detalhes são de um capricho tão imenso que, novamente, fiquei impressionado com o que vi. E sim, Lubezki merece todos os prêmios que ele puder ganhar, porque é um dos melhores cinematógrafos da atualidade. Simples assim.

Uma discussão antiga que gera mimimi há muito tempo é “Como tem som de explosão em Star Wars se o som não se propaga no espaço”. Considerando esse argumento, Gravidade é um dos filmes espaciais que mais respeita as questões físicas. O filme trabalha muito bem o som e a ausência de som. No espaço o som não se propaga, claro, então o que é trabalhado no filme são apenas sons minimalistas. Respirações. Peças sendo desparafusadas. Impactos. É a isso que se limita a sonoridade de Gravidade. Em momentos críticos você pode até pensar “Ei, eu ouvi um barulho de explosão aqui”, mas é aí que entra outra grande sacada do filme: Todos os barulhos “dramatizados” que deveriam acontecer são criados, na verdade, pela trilha sonora. Acordes estrondosos em momentos silenciosos onde deveria acontecer o som de uma explosão. É assim que a trilha sonora funciona em Gravidade: Como um recurso para intensificar um teor narrativo mais dramático, mas respeitando as leis da Física. Para quem é familiarizado com a franquia Mass Effect, um efeito semelhante é apresentado no trailer do Mass Effect 3, quando os Reapers destroem naves humanas de sobreviventes. Você não ouve o som da explosão, mas um acorde berrante dos metais na peça Leaving Earth, do Clint Mansell. Falando sobre detalhes, um dos momentos em que essa questão do som é muito bem apresentada é numa cena em que a Sandra Bullock está numa shuttle e a escotilha se abre. Fisicamente falando, nesse momento todo o ar é expelido para fora, tornando o interior da shuttle um ambiente de vácuo. E a música que até então estava tocando alta, cessa de repente, voltando apenas quando a escotilha é fechada e, consequentemente, o ar retorna para dentro da shuttle. E essa genialidade sonora merece bastante atenção, porque é outro ponto forte do filme.

Voltando para o longínquo começo desse texto, eu falei que Gravidade era, antes de tudo, uma metáfora. E aqui explico o por quê: Gravidade fala sobre a vida. Ele fala sobre as dificuldades que passamos. Ele fala dos laços de dependência que rompemos, como os filhos que vão para longe de seus pais. Ele fala sobre lidar com responsabilidades, e ele fala de como você não consegue fazer algo simplesmente por querer fazer aquilo; Você precisa batalhar para conseguir o que você quer. É uma leitura bem interessante do filme, mas ainda não é a que mais me interessa. Pra mim, Gravidade é sobre o renascimento. Pode ser a reencarnação, pode ser o fato de “renascer” após momentos complicadíssimos. Cenas que reforçam isso são quando a Sandra Bullock entra na Estação Espacial e a câmera a foca como se fosse um feto. Isso é interessante inclusive em questões narrativas, porque é a partir daí que a Dra. Stone, personagem da Bullock, finalmente começa a se “desenvolver”. Até então ela é somente uma personagem vazia, funcionando como um fardo para o personagem do George Clooney. Após essa “gestação” ela está pronta para finalmente crescer. Há também a questão que trata a cena final como um resumo de toda a evolução humana, como se a Sandra Bullock fosse o ser primordial da nossa raça, nascendo de novo. Eu juro que naquele momento esperei alguns macacos aparecerem por lá, fazendo uma das maiores homenagens/twists da História.

E, no final das contas, Gravidade é um filme excelente. Excelente em questões técnicas, em questões metafóricas e narrativas. Ele constrói um Universo gigante em uma história muito simples, porém honesta e respeitosa à verdadeira ciência. Ouvi um comentário que dizia que “Gravidade é o primeiro filme espacial feito para maiores de 16 anos desde 2001”. Concordo em partes. Moon está no caminho, e trabalha muito bem as questões psicológicas de um astronauta, mas eu acho que um filme espacial com essa beleza e esses significados, ah, isso é mérito apenas de Gravidade e 2001 mesmo. São filmes inteligentes, filmes incrivelmente belos e filmes que sabem trabalhar as suas narrativas. Narrativa não é apenas uma história bem contada, mas é somar todos os elementos disponíveis para ajudar a contar aquela história da melhor maneira possível. E é nisso que Gravidade se supera. Com um roteiro excelente, uma direção impecável e uma cinematografia que beira o genial, eu posso afirmar que, até agora, esse é o melhor filme que vi neste ano. O filme que mais me empolgou, que mais me fez ficar apaixonado. Questões técnicas e astronautas à parte, é um filme sobre a raça humana. É um filme sobre os seres humanos, um filme sobre você e eu.

Gravidade é um filme genial.

Kick-Ass 2

Eu até fico com pena de falar isso, mas sim, Kick-Ass 2 é ruim. Muito ruim, se você quiser comparar com o primeiro. E são muitos, mas muitos problemas MESMO. Claro que existem as partes boas, mas elas acabam ficando um tanto sufocadas. E o pior disso tudo: Kick-Ass 2 é o filme que te faz, pasme, sentir saudades do Nicolas Cage.

O primeiro problema de todos é em questão da adaptação. Kick-Ass 2 foi feito unindo o conteúdo da HQ solo da Hit-Girl e do próprio quadrinho homônimo. Tinha tudo pra ser a fórmula do sucesso, até. O problema é que a direção do Jeff Wadlow deixa o filme inteiro muito incoerente, com a história pouco coesa ou e confusa para o movimento da narrativa. É como se ele picotasse os fatos dessas duas histórias e as jogasse loucamente no roteiro, deixando tudo sem muita explicação e sem consequência nenhuma. Vamos fazer uma comparação com um carro: É como se o carro aparecesse, do nada, correndo a 100km/h e, logo em seguida, sumisse. Você não vê a aceleração e nem a freagem, e você fica sem entender de onde aquilo veio e pra onde aquilo foi. Esse é um sentimento gigante em boa parte do Kick-Ass 2.

E um breve comentário sobre o Jeff Wadlow: vi no IMDdb que ele está cotado para ser o diretor do filme da X-Force, o que me deixa extremamente entristecido, ainda mais se imaginar o Deadpool dessa bagaça toda como o Ryan Reynolds… Mas enfim…

Outro problema, inclusive é a violência. NÃO, eu não estou reclamando que o filme é violento. A exemplo do primeiro filme, dirigindo pelo Matthew Vaughn (diretor também do X-Men First Class), a violência existe e tem um papel importante naquele Universo, mas ela ao menos é estilizada. Ela é feita como se fosse algo dos quadrinhos. Apesar do Kick-Ass original ter o seu diferencial na questão de trazer os super heróis para o mundo “real”, onde não existem super-poderes e coisas do tipo, a linguagem e o próprio visual do filme remetem aos quadrinhos. É uma antítese, mas uma antítese interessante. Algo legal de ver. Já no Kick-Ass 2 isso é revertido: A situação está completamente “quadrinesca”, enquanto que o visual é extremamente real e cru. Isso infelizmente incomoda, porque acaba, de certa forma, limando as expectativas e tirando a empolgação para assistir o filme. As únicas cenas interessantes são por conta da Hit-Girl, e ela quase não aparece como Hit-Girl no filme.

Sobre essa questão da situação ser completamente quadrinesca, o exemplo são os vilões. Enquanto no primeiro filme o vilão Frank D’Amico, interpretado pelo Mark Strong, realmente causa alguma tensão e perturbação, no segundo filme a gente vê um grupo de “Supervilões” completamente rasos, sem motivação nenhuma e fugindo da premissa do primeiro Kick-Ass que é mostrar “Heróis no mundo real”. Assista o filme e perceba. O Motherfucker não representa ameaça ALGUMA. Os seus acompanhantes menos ainda. Digo, aquela tal de Mother Russia é uma personagem extremamente cartunesca, parece vilã da série sessentista do Homem-Aranha (sim, aquela mesma dos memes). Chega a ser frustrante DEMAIS. Pra se ter uma ideia, o personagem do Iain Glen representa mais ameaça em uma cena de 30s do que todos os outros vilões JUNTOS em 1h40. Isso é bem triste.

É bem triste ver um dos seus filmes mais queridos ser continuado de uma maneira tão infeliz. Nem a Chloe Moretz, com a sua Hit-Girl excepcional, consegue salvar o filme. O próprio Aaron Taylor-Johnson, que no primeiro filme fez um Kick-Ass excelente, teve o personagem destruído pelo roteiro aqui. Aliás, o roteiro é outra questão que deixa a desejar bastante, repleto de furos e de falhas. Pode ser que parte da culpa seja do Mark Millar SIM, mas isso não é desculpa. A história é ruim, a execução é ruim e o filme é ruim. Se você é fã de Kick-Ass, mantenha os bons momentos e memórias do primeiro filme com você, e passe bem longe do Kick-Ass 2. Talvez se você fizer uma compilação das cenas de porrada da Hit Girl, ou pegar algumas das referências da Guerra Civil (Mark Millar citando Mark Millar. Que presunçoso HEHEHEHE), o filme valha a pena pra você. Caso contrário, é melhor pensar que ele nem existiu.

Metropolis

Metropolis, de 1927, foi um marco para o cinema e especialmente para o gênero da ficção científica por diversos motivos. Sendo um dos pioneiros no debate e no questionamento a partir da expressão da arte do cinema, ele critica a sociedade atual com uma previsão projetada nos ideais Futurismo, além de ser altamente ácido em questão aos métodos e ideais do Capitalismo. Tais questionamentos foram, mais tarde, os principais pilares para a cultura Cyberpunk, tão famosa e conhecida dentro do meio Sci-Fi.

Visualmente, Metropolis carrega elementos que foram revolucionários para a sua época. A direção de Fritz Lang e seu toque expressionista foram essenciais para adicionar uma visão mais elaborada à sua película, especialmente em termos recorrentes à simbologia. Com diversas metáforas recorrentes, como por exemplo o Homem-Máquina, Lang incita a verdadeira percepção dos trabalhadores e do proletariado. Ele critica a alienação dessa classe, tão hibridizada com a máquina Capitalista que torna-se ao mesmo tempo inconsciente e ordenada. Isso também é importante para o levantamento da sociedade alemã da época, circundada pela propaganda Nazista e aos portões de uma revolução.

Revolução, inclusive, é outro fator questionado no filme. Os trabalhadores de Metropolis, tão subjugados pela Nobreza preconceituosa e imponente, tornam-se escravos dos degraus mais altos da piramide social, e são forçados a jornadas inumanas de trabalho, o que os tornavam unos com as ferramentas que utilizavam. Aristóteles criticava a escravidão como um meio criador de “ferramentas vivas”, e esse hibridismo homem/máquina é um tema recorrente no filme, enfatizado pelas jornadas de trabalho diretamente proporcionais ao avanço da tecnologia. Frases como “A máquina não pode parar” e “A máquina precisa de alguém para controlá-la” são utilizadas no filme como uma menção à indústria capitalista que necessita de mão-de-obra humana para continuar funcionando. E como o Capitalismo não conhece freios, o proletariado precisava se adaptar à essa dinâmica literalmente desumana. Por isso tantas referências à união do orgânico com o sintético, afinal essa é a base da força motriz dos ideais capitalistas. Porém, a previsão de Lang era que chegaria um dia em que os trabalhadores iriam se opor à essa exploração dos seus direitos trabalhistas, criando a quebra do Sistema.

A quebra do Sistema também é abordada no filme a partir da destruição da Torre de Babel, o centro da Metropolis. Assim como a Torre de Babel original, da Babilônia, a Torre de Babel de Metropolis traz novamente menção à exploração do proletariado, uma vez que para a construção da Torre original foi necessária a vinda de mão-de-obra de todas as regiões, e após ela ter sido construída, a burguesia e nobreza responsáveis por sua construção ignoraram os ideais dos trabalhadores que a construíram. Como dito no próprio filme, “A mesma linguagem era falada, mas aqueles homens não entendiam uns aos outros”. A destruição da Babilônia é uma menção à destruição da burguesia e do Capitalismo, e esses são exatamente os ideais visados pelos trabalhadores de Metropolis, os mesmos que construíram essa “Babilônia Moderna”.

Outro ponto importante do filme é como ele trata a tecnologia. Isso foi importantíssimo para a construção da ficção científica como gênero expressivo, porque no caso de Metropolis a tecnologia é não só uma parte do background, mas um fator decisivo para a construção da estrutura narrativa. Ela é a catalisadora das decisões dos personagens, é responsável para o ponto central da trama e basicamente toda a linguagem do filme se comunica com ela. Tecnologia em Metropolis não é somente uma coadjuvante que participa trabalha com a narrativa, elas são mescladas de forma a trazer uma nova experiência para o público do filme. Pode-se dizer que essa é mais uma representação da metáfora do hibridismo do homem/máquina, tendo a parte humana, a narrativa, mesclada à parte máquina, a tecnologia, tendo como resultado um filme que pode ser considerado o primeiro grande épico da Ficção Científica.

Outro fator importante para o gênero, como já foi dito, é a sua conversação com a sociedade atual, funcionando como uma ferramente de crítica baseada em projeções Futuristas. Nesse caso, Metropolis foi bancado por uma firma chamada UFA, que era claramente favorável aos ideais Nazistas. Apesar de trabalhar com temas que incitavam a Revolução aos seus espectadores, não podemos tratá-lo somente como uma mídia vinculada com o Nazismo. Fritz Lang era judeu, e tinha em sua película somente uma crítica à sociedade que ele previa, e a forma como o povo poderia se libertar dela.

Por filme, podemos dizer que apesar de não se ter o gênero da Ficção Científica já estabelecido (coisa que só veio a se concretizar da década de 50), Metropolis é o primeiro épico do gênero a passar nos Cinemas, e sua estrutura foi copiada diversas vezes pelos seus sucessores, sendo inclusive, devido a todo o seu caráter crítico, social e revolucionário, um dos pais – se não o próprio pai – do Cyberpunk.

P.S.: Se forem assistir, assistam a versão completa e restaurada, que tem lá suas 2h30. É a que vale a pena e onde vocês conseguirão perceber todas as nuances propostas pela narrativa do Lang, não somente as que foram preservadas.

Os Suspeitos

Quando eu li a sinopse pela primeira vez, acreditei que Os Suspeitos fosse uma versão sem o Liam Neeson de Busca Implacável. Ou seja, acreditei que o filme fosse uma merda. Ainda bem que o time Denis Villeneuve, Aaron Guzikowski, Hugh Jackman e Jake Gyllenhaal me fizeram pensar exatamente o contrário.

Quando você adentra o Universo de Os Suspeitos, você é colocado sob uma camada de tensão extrema – que é muito bem reforçada pela trilha sonora e pela fotografia. A narrativa acompanha os passos de Keller Dover, interpretado epicamente por Hugh Jackman, na busca pela sua filha e pela amiga dela, que desapareceram no Dia de Ação de Graças. Tomado pelo nervosismo, a sede por justiça e a decepção de ver as pistas da polícia sempre caírem na falsas promessas, Keller começa a se mostrar preso num labirinto psicológico intransponível, metáfora essa que devo comentar mais pra frente.

Auxiliando Keller nessa busca está o Detetive Loki, interpretado por Jake Gyllenhaal. Aliás, após a birra que eu adquiri por ele por seu papel em “The Prince of Persia”, finalmente volto a encará-lo com bons olhos, uma vez que a sua interpretação em Os Suspeitos está fenomenal. O seu personagem é um detetive que, apesar de estar morrendo de vontade de ajudar as famílias desesperadas a encontrarem suas filhas, também se vê limitado pelas questões profissionais que o impedem de ajudar ainda mais. E a sua perturbação interior, como dito na análise do Pablo Villaça sobre o filme, é representada de uma maneira minimalista por seu toque em ficar piscando constantemente e de maneira angustiantemente forçada.

O roteiro é uma pérola à parte, devo dizer. Lembrou filmes como Zodíaco e jogos como Heavy Rain, por sua questão policial e seus mistérios intricados. Aliás, uma das questões que mais gostei em Os Suspeitos é como ele entrega pontos importantíssimos para a história de uma maneira delicada e sutil, sem chamar muita atenção, e deixa que você vá ligando os fatos no futuro. Acho uma das formas de escrita mais honestas e respeitosas que existem, porque ela não pressupõe que o espectador não é inteligente o suficiente para fazer essas ligações. É um conceito narrativo muito bem utilizado em jogos como o próprio Heavy Rain, BioShock e Half-Life. E quando o twist acontece e você começa a criar as ligações certas para aquele momento… é, é uma experiência bem interessante.

Muita gente está falando que Os Suspeitos é o melhor filme do ano, candidato fortíssimo ao Oscar. Eu não arriscaria dizer isso ainda, mas eu acredito que ele estará figurando lá sim. Ao menos uma indicação para o Jackman e o Gyllenhaal por suas atuações belíssimas, e para o Guzikowski, por seu roteiro impecável. Mas, independente das premiações, assista Os Suspeitos. É uma experiência policial/thriller interessantíssima, uma das melhores que já tive. E acredito que esse filme vai figurar FÁCIL numa lista Top 5 dos melhores de 2013. Ou seja, um “Must-See”.

O Dia Em Que A Terra Parou (1951)

The Day The Earth Stood Still, de 1951, é a pedra-fundamental do gênero da Ficção Científica, que até então não estava consolidado. Tornando concreto a ideologia da cultura sci-fi, o filme do Robert Wise trabalha de forma ácida a interpretação da sociedade daquela época, que vivia em meio à Guerra Fria.

O primeiro diferencial deste filme em relação aos predecessores aqui citados é o fato dele possuir uma linguagem teatral quase nula. Em 1951 a cultura do Cinema já estava consideravelmente desenvolvida, então não se era necessário partir de artimanhas cênicas para o complemento narrativo. Os efeitos especiais também já se demonstram num nível elevadíssimo, e cenas como a chegada da nave espacial à Terra funcionaram para criar outro tipo de entusiasta no meio da ficção científica: Os fãs de SFX.

A história, como já dita, é uma crítica sólida à Guerra Fria, que inundava de preocupação todo o planeta durante aquela época. Novamente demonstrando o caráter engajado que o gênero adotou como fundamento, The Day The Earth Stood Still faz várias menções diretas ao problema que ele quer levantar o questionamento, e nesse caso a narrativa funciona de diversas maneiras para isso. Diálogos que mencionam a “destruição em massa”, ainda em momentos iniciais do filme, já nos dão um vislumbre no que está por vir, e nesse caso as críticas vão se tornando ainda mais diretas e sérias.

Klaatu vem à Terra de maneira messiânica explicar o problema que a Galáxia possuía no momento. Uma vez que o nosso planeta estava envolvido em diversos problemas internos, como a “geração de energia atômica e uso desleixado de foguetes” – uma menção clara à iminente guerra atômica prevista naqueles tempos – os habitantes dos planetas vizinhos exigiam – de maneira diplomática – o fim dessas ameaças e desse tipo de comportamento bélico, uma vez que dessa forma a Terra representava um perigo para toda a Galáxia.

Porém, apesar da apresentação desse problema, os políticos de todos os cantos do mundo, reclusos às suas celas ideológicas, decidem ignorar o pedido do Homem do Espaço, fazendo-o recorrer ao Professor Barnhardt. Essa também é outra crítica do filme, mostrando que o verdadeiro poder estava na mão dos assim chamados Homens da Ciência, e não com os políticos – os Homens da Ideologia – ou com os Homens da Fé. Isso também demonstra uma outra característica importante da Ficção Científica, que é tratar a tecnologia como a força-motriz pra todo o restante da sociedade.

Porém o filme também revela as desvantagens desse tipo de sistema ao declarar o plano de Klaatu para obter a atenção da população Terrestre: A neutralização de quase toda a energia elétrica do mundo. Isso fez a sociedade entrar em caos, “correr como formigas” pelas ruas. Essa metáfora implica a fragilidade e dependência da raça humana, que até então se portava como superior e dominante perante a diplomacia vinda de outros planetas, mostrando de forma crítica uma característica importante da raça humana: A petulância exagerada para com pessoas tidas como “não-iguais”. Essa característica também é ressaltada durante uma cena em que Tom Stevens – interpretado pelo Hugh Marlowe – está ao telefone com um sargento do exército tentando expôr à falha o plano de Klaatu. Na cena, Stevens diz para Helen, que estava tentando impedi-lo falando que aquilo iria acabar com o resto do mundo, “Eu não me importo com o resto do mundo”. Essa menção direta ao egoísmo da raça humana contribuem para a construção de mais uma crítica do filme.

Também é importante ressaltar que, mesmo após ter sido diversas vezes atacados pelos seres humanos, Klaatu encerra sua estada na Terra com um ultimato, dirigido e fotografado para parecer um discurso real para os espectadores, como um aviso metalinguístico direto, um conselho que seria necessário para a manutenção da vida neste planeta: “Junte-se a nós e viva em paz, ou nos ignore e encare sua própria obliteração”. Isso soou como um choque de realidade para as pessoas que até então estavam fechadas – assim como os políticos tanto da vida real quanto os retratados no filme – às suas celas ideológicas, e mantinham a rivalidade entre o Ocidente e o Oriente bastante vivas.

Por fim, eu gostaria de ressaltar que foi com este filme que o gênero se estabeleceu, uma vez que seu roteiro extremamente simples e acessível fez o filme ainda mais comercial, estendendo a temática da ficção científica – assim como o calibre de suas críticas sempre diretas e reflexivas – para as grandes massas. Isso parecia ser uma preocupação do tema na época, uma vez que até no The Day The Earth Stood Still a mídia é retratada de forma atrofiadora de caráter questionador, algo escrito em 1984 como a base para a “sociedade-marionete” dominada pelos Homens-Ideologia e os Homens-Fé.

The World’s End

Encerrando a famosa Cornetto Trilogy de forma incrível, The World’s End trata da reunião de um grupo de amigos para relembrar e reviver uma das melhores memórias da adolescência deles: Percorrer a Golden Mile, uma série de 12 pubs em New Haven, a cidade natal deles, e beber pelo menos um caneco de cerveja em cada um deles.

Em termos de direção, a evolução do Edgar Wright em The World’s End em relação a Hot Fuzz, o segundo filme dessa trilogia, é gigantesca. Tendo ele dirigido o excelente Scott Pilgrim no meio do caminho, é de se esperar muitas influências da linguagem dos quadrinhos e até da linguagem cinematográfica ímpar desenvolvida por Wright em Scott Pilgrim aparecendo em The World’s End. E isso é gritantemente fantástico, uma vez que o filme cresce de uma maneira inesperada e excepcional com essa soma técnica.

Eu vi muita gente reclamando do filme por motivos que, ao meu ver, são um pouco precipitados. The World’s End é, antes de tudo, um filme sobre amizade. Amigos se reúnem para reativar memórias da adolescência. Essa é a história do filme. O que acontece para atrapalhar essa evolução é um complemento a esse momento que herdou muito do “Stand By Me”. Eu acho que é com esses olhos que esse filme deve ser observado, o desfecho de uma trilogia feita por três amigos, e que representa justamente a paixão de um grupo de amigos por alguma coisa.

Não posso deixar de comentar como isso tudo me lembrou Of Dice and Men, livro que ando lendo no momento e que trata, entre várias outras coisas, sobre adultos jogando D&D. A forma como eles burlaram a vergonha que sentiam por estarem fazendo isso e redescobriram um jogo que os formou como pessoas e serviu para moldar a personalidade de cada um deles. The World’s End tem muito disso, pois a primeira Golden Mile realizada por esses amigos serviu para moldá-los pro futuro. A forma como os personagens evoluem em cima disso é incrível, e o roteiro do Wright em parceria com Simon Pegg é digno de palmas.

Outra questão genial abordada no filme é o nível de referências. Em Shaun of The Dead e Hot Fuzz, elas transbordam conhecimento e maneirismos dos gêneros abordados, e isso não é diferente em The World’s End. De coisas mais clássicas, que remetem BASTANTE a Doctor Who – uma paixão e referência constante de Pegg e Wright -, até coisas mais atuais, como J.J. Abrams, o filme passeia por detalhes encantadores para o espectador atento.

E uma característica técnica que não pode ser deixada de lado é a qualidade dos cortes desse filme. Tão sutis e ao mesmo tempo impactantes, eles mostram uma maneira que, apesar de não ser nova, é usada com uma maestria genial aqui, e que merece a atenção de todos que forem assisti-lo.

Quando você para pra observar The World’s End em soma com todos os outros filmes da Cornetto Trilogy – Caso você esteja se perguntando os motivos desse nome, é pelo fato de que cada filme é baseado em um sabor de Cornetto: Morango, Clássico e Menta. E cada filme utiliza uma paleta de cores baseada no sabor que representa, no caso, vermelho, azul e verde. E, pra finalizar, um sorvete do sabor condizente com cada filme faz uma participação especial no filme que o representa, seja de maneira drástica ou como easter egg. Mas voltando… – Quando você observa o The World’s End em soma com todos os outros filmes da Cornetto Trilogy, você percebe que todos eles tratam sobre a amizade de certa forma. São amigos que superam desafios juntos. São filmes que herdam a lição deixada por Stand By Me, e a representam de forma engraçada e repleta de referências da cultura pop. São filmes que você NECESSITA assistir, de preferência com algum amigo. Ou um grupo de amigos. Ou com alguém que você goste muito. Porque, no final das contas, esses filmes são uma ode aos momentos memoráveis com essas pessoas.

37ª Mostra de Cinema em SP – Filme #12 – Olhos Frios

Olhos Frios era o último filme que eu ia ver na Mostra, e foi o que mais me surpreendeu. Depois de ter visto O Deserto dos Tártaros, eu estava esperando alguma loucura coreana ultra-violenta, talvez algum filme um pouco mais profundo e experimental. Minha surpresa total aconteceu quando, decorrido dez minutos da projeção do filme, eu percebo que ele é extremamente mainstream, comercial e americanizado (mas de uma maneira interessante).

Ao acompanhar a história de uma equipe de policiais TÃO badass e tão bem equipada que parece ter saído de um anime inspirado no CSI, você começa a mergulhar num mundo investigativo bastante tenso. O filme não chega a ser denso, e não há nenhum aprofundamento gigante nos personagens, mas ele é divertido de assistir. Peca somente em ser um pouco longo demais, mas isso é facilmente mascarado pela beleza de algumas cenas – que inspiram um ar cyberpunk coreano para o filme. Uma forma surpreendente e refrescante de terminar a maratona de filmes das duas últimas semanas, seja ela dentro ou fora da Mostra.

37ª Mostra de Cinema em SP – Filme #11 – O Deserto dos Tártaros

Li numa crítica que esse era o “2001 Italiano num deserto”. Duvidei muito, mas quando assisti à técnica e à beleza cinematográficas apresentadas em O Deserto dos Tártaros, de 1977, eu chego ao ponto de ~quase~ concordar. Quer dizer, 2001 é um clássico absoluto em termos experimentais e cinematográficos, mas O Deserto dos Tártaros é uma pérola italiana de técnica apurada e de beleza absurda.

Contando a história do tenente Drogo, o filme é basicamente um espantoso estudo sobre a solidão e a ignorância em relação ao tempo. Ele tem mais de duas horas de duração, com um ritmo que pode não ser o dos mais agitados, mas que é conduzido hipnoticamente junto com a direção de fotografia para manter o espectador penetrado no filme, sendo levado pelas cenas, sem perceber que semanas, meses e anos estão se passando. Ao final do filme você percebe que MUITO tempo se passou desde o começo, e você sente o efeito desse tempo nos personagens. Porém o filme é tão bem construído – narrativamente falando – que você não se perde na monotonia repetitiva da maioria dos recursos narrativos que são aplicados em situações similares.

Outra coisa que me encantou no desenvolvimento da história é a sua semelhança com algumas histórias de RPG. Os ganchos estão lá, os cenários e os problemas estão lá… é como se O Deserto dos Tártaros fosse um módulo de campanha de Dungeons and Dragons, e um dos mais divertidos de se jogar. Eu sei que não tem nada a ver uma coisa com a outra, mas tá aí uma curiosidade interessante para os fanáticos por mestrar aventuras interessantes: MUITOS ganchos e plots são entregues pelo O Deserto dos Tártaros.

Sem sombra de dúvidas, a cinematografia desse filme é uma das coisas mais belas já criadas. Creditada para Luciano Tovoli, cinematógrafo de Titus e do clássico do terror italiano Suspiria, a direção de fotografia de O Deserto dos Tártaros encanta por seus planos profundos, pelo trabalho magistral das sombras (a cena no portão da fortaleza é de tirar o ar) e pela sua beleza, mesmo em um cenário tão árido e isolado. Além do mais, a forma como a câmera se encaixa nos planos é sensacional. Não é só saber criar a iluminação perfeita para a cena, é também passar experiências de claustrofobia, medo e solidão. Uma das melhores cinematografias que já vi na vida, desde a Árvore da Vida (do Emmanuel Lubezki) e dos filmes do Ron Fricke.

Assista O Deserto dos Tártaros. Simplesmente isso. O filme, como eu já disse, aborda muito bem a solidão, num desenvolvimento interessante dos personagens. Além do mais, a cinematografia, como eu não canso de repetir, é sensacional, uma obra de arte. E a história é interessantíssima, apesar de terminar de forma diferente da do livro. Mas se você quer um filme capaz de tirar o seu fôlego com cenas extremamente bonitas e tocantes, então você deveria estar assistindo esse filme agora mesmo.

37ª Mostra de Cinema em SP – Filme #10 – Tom Na Fazenda

Durante as 1h40 de duração do filme, eu só conseguia me perguntar: “Por que infernos eu nunca vi um filme do Xavier Dolan?”. Até agora não sei responder. A qualidade técnica, a qualidade na criação dos personagens e os detalhes da fotografia… todas são características que adoro, e que estão – pelo que me foi contando – em escala enorme nos filmes do Dolan, são memoráveis em Tom Na Fazenda, um dos filmes mais bonitos que vi na Mostra.

Pra começar, a construção do personagem do Tom, interpretado pelo próprio Xavier Dolan, é interessantíssima. Tom, um jovem gay que vai até a fazenda da família do seu ex-namorado para o funeral deste, encontra lá um refúgio para os seus medos e suas preocupações, até que o próprio lugar e as pessoas que vivem nele se tornam novas fontes de medo e preocupação. Além do mais, sem nenhuma cena exagerada – como, por exemplo, algumas apresentadas em Salvation Army – nós conseguimos compreender as inclinações de Tom, e conseguimos criar vínculos ainda maiores com aquele garoto tão destruído.

A fotografia criada aqui é algo hipnótico. Desde as primeiras cenas, do carro vagando pela estrada, até uma das cenas finais, no bar, a utilização de certos ângulos e paletas de cores reforçam sentimentos de abandono e de extrema tensão. Tom está tentando lidar com os seus problemas passados, atuais e com os seus próprios sentimentos, e esse redemoinho interno é muito bem representado pelo feedback visual da cinematografia. Ela consegue nos deixar perdidos (num bom sentido) no meio das imagens, consegue estreitar o sofrimento de Tom para nós. Um belo trabalho do André Turpin com parceria do Dolan.

O único porém do filme inteiro está no seu plot. Decidido em contar a história de maneira extremamente fragmentada, ele acaba criando uma espécie de lapso temporal, afinal acabamos perdendo a sensação de ver o tempo passar enquanto Tom está na fazenda. Pode ter sido feito dessa forma para explorar um recurso narrativo e colocar o espectador na mesma espécie de lapso que Tom estava vivendo lá, mas eu não sei. Se essa foi a intenção, retiro tudo que disse e parabenizo pela execução. Perfeito; Porém, se não foi, foi o único momento em que o filme pecou, por assim dizer.

Novamente, eu não acredito como eu nunca tinha visto um filme do Xavier Dolan. Ele trabalha extremamente bem todos os recurso que eu adoro num filme, e ainda assim eu nunca tinha ouvido falar dele. De qualquer forma, acho que Tom na Fazenda foi uma interessante forma de começar na filmografia do cara. Se todos mantiverem o mesmo nível de qualidade, é um dos diretores mais talentosos da atualidade (e mais jovens, também! Ele tem quatro filmes com apenas 24 anos! LOL). Um must-see, sem dúvida.