Uma obra de arte. Pura e simplesmente, uma obra de arte. O Cinema esperou quarenta e cinco anos para conceber um filme como Gravidade, que tivesse a moral de se tornar um “pupilo” do 2001: Uma Odisseia no Espaço. O filme, que acaba de entrar no meu Top 3 de filmes espaciais junto do próprio 2001 e Moon, é uma virtuose de direção, cinematografia, narrativa e trilha sonora, uma aula para ser estudada pelos mais diversos campos. Digo mais: Uma obra a ser respeitada.
Antes de mais nada, Gravidade é uma grande metáfora. Ele é muito além do que parece ser, especialmente na questão narrativa. A história “principal”, por assim dizer, é bem simples: Após complicações numa missão de reparo do Hubble, os astronautas Ryan Stone (Sandra Bullock) e Matt Kowalski (George Clooney) precisam sobreviver a uma sequência desastrosa de eventos com potencial fatal e retornar para a Terra. Porém, a narrativa formada para contar essa história simples é o toque de gênio aqui, e é isso que torna Gravidade um dos melhores filmes que vi na vida.
Gravidade é um filme que precisa ser assistido em IMAX 3D. É onde você consegue toda a qualidade do filme, seja sonora ou visual, e onde você consegue absorver melhor a experiência que ele se propõe a passar. É um dos poucos filmes em que o 3D contribui MUITO MAIS do que atrapalha, então se possível, veja o filme em 3D. Além do mais, os efeitos especiais também tem um uso importantíssimo aqui. Diferentemente dos filmes do Michael Bay, onde os efeitos aparecem para se destacar e tomar a atenção de quem está assistindo, em Gravidade eles funcionam para aprimorar a narrativa. Nenhum efeito é colocado lá à toa, ou aparece na tela para tomar o destaque dos personagens. Eles acontecem porque eles precisam acontecer, caso contrário não haveria um fluxo narrativo para aquela história. É bem raro ver um filme assim, e o Alfonso Cuáron merece um abraço pelo simples fato de ter conseguido dirigir isso tão bem.
Falando no Alfonso Cuáron, ele teve um trabalho excepcional na direção aqui. Eu já sou fã dele há muito, e Children of Men é um dos meus filmes de ficção científica favoritos. Mas o que torna Gravidade tão espetacular é o zelo que é aplicado em algumas cenas, e como isso reforça sentimentos que estão sendo apresentados na história. Uma dessas cenas é quando, bem no começo do filme, a Sandra Bullock está rodopiando pelo espaço, sem comunicação nenhuma com ninguém. Nesse momento a câmera começa a se afastar, deixando a astronauta se mesclar à escuridão do espaço e das estrelas, como se ela estivesse se tornando parte do todo. Quando ela recupera o contato a câmera dá um zoom, trazendo a astronauta novamente pro destaque, mostrando que ainda há esperança para ela. Eu achei esse momento sensacional.
Outro fator muito bem trabalhado é o fato de JAMAIS mostrar a equipe de Terra, que é representada somente pela voz do Ed Harris (uma ótima escalação, aliás). Esse fato reforça o abandono e a claustrofobia vivenciada pelos astronautas, mostrando que, apesar de todo o revés que está acontecendo, tudo aquilo é apenas um problema DELES. É uma história sobre astronautas, e o filme faz muito bem em focar apenas neles.
Astronautas. Como já foi dito, o filme fala sobre dois astronautas, a Dra. Stone e o veterano Matt Kowalski. E aí está um dos pontos mais importantes do filme, uma vez que tudo funciona para contar a história desses dois. A Dra. Stone, interpretada MUITO BEM pela Sandra Bullock, é uma personagem muitíssimo interessante. Ela me lembra muito, em seu conceito geral, a Lara Croft do Tomb Raider lançado neste ano: Uma personagem feminina que passa longe de ser a tão falada “donzela indefesa”, mas que também não é aquela que tem a solução para tudo. Ela precisa batalhar e sofrer – e coloque uma ênfase imensa no sofrer – para conseguir reverter as adversidades e alcançar os seus objetivos. É o tipo de personagem que te faz sofrer por vê-la sofrendo, e que te faz ficar aliviado quando ela se supera (essa imersão também é culpa da cinematografia, mas falo disso em breve). Já o George Clooney apresenta um personagem um tanto típico, mas interpretado de maneira incrivelmente boa. As expressões de tristeza e angústia são dolorosamente críveis, e isso cria uma empatia imensa com o seu personagem. Atuações que impressionam caso você vá levar em consideração apenas os filmes “clichê” em que eles geralmente atuam. Aposto que pelo menos indicações ao Oscar ambos levarão, porque a atuação vista em Gravidade é fenomenal.
E já que comentei da cinematografia, preciso abrir um parágrafo à parte para falar dela. Emmanuel Lubezki já é meu ídolo desde as cenas hipnotizantes de Sleepy Hollow (1999) e da maravilha indescritivelmente bela que é A Árvore da Vida (2011). Mas é quando ele se junta com o Alfonso Cuáron que vemos algumas das melhores cenas do cinema. Ambos são fãs de planos longos, geralmente ultrapassando os 10 minutos. Em Children of Men, o primeiro filme que assisti com essa parceria, uma das cenas finais se passa no meio de um combate bélico pesado, com muita destruição e escombros, e o Clive Owen transita por todo o caos sem que haja nenhum corte. É uma cena tensa, angustiante, e que dura 10 minutos. Em gravidade vemos um plano assim logo na primeira cena, que – chuto eu – deve ter seus 14 minutos. Nela vemos uma técnica cinematográfica incrível, com a câmera apresentando todos os pontos importantes sem haver a necessidade de cortes aparentes. Num dos momentos, inclusive, a câmera entra no capacete, dando um super-close no rosto da Sandra Bullock e mostrando toda a situação pelo ângulo dela, e logo em seguida sai do capacete. E isso tudo, reitero, sem que haja nenhum corte. Isso me deixou impressionadíssimo, e mesmo conhecendo a técnica utilizada (li numa entrevista, não sou bom para conseguir deduzir) eu fiquei boquiaberto.
Além disso, a câmera é extremamente natural e leve, muito orgânica – praticamente como se tivesse sido colocada dentro do capacete de outro astronauta: Você. E ao colocar o espectador numa visão de DENTRO da história (experiência reforçada pela qualidade técnica do IMAX) o filme contribui para te manter imerso, tornando-se ainda mais uma experiência tensa e empolgante. E alguns outros detalhes são importantes para que eu fique ainda mais fã da cinematografia do Lubezki: Mesmo girando muito, afinal os personagens estão submetidos à ausência da gravidade, o movimento da câmera não te enjoa. Ele é certeiro, mesmo ignorando aparentemente qualquer espécie de eixo que exista para indicar um “chão”. O cuidado com isso deve ter sido imenso, porque poderia ser um problema gigante para alguns espectadores. Mas em momento algum eu me senti enjoado ou vi alguém que estivesse reclamando disso, o que é um mérito. E outro detalhe é como algumas gotas e lágrimas parecem bater na câmera, como se REALMENTE fosse o visor do capacete de um outro astronauta. Esses detalhes são de um capricho tão imenso que, novamente, fiquei impressionado com o que vi. E sim, Lubezki merece todos os prêmios que ele puder ganhar, porque é um dos melhores cinematógrafos da atualidade. Simples assim.
Uma discussão antiga que gera mimimi há muito tempo é “Como tem som de explosão em Star Wars se o som não se propaga no espaço”. Considerando esse argumento, Gravidade é um dos filmes espaciais que mais respeita as questões físicas. O filme trabalha muito bem o som e a ausência de som. No espaço o som não se propaga, claro, então o que é trabalhado no filme são apenas sons minimalistas. Respirações. Peças sendo desparafusadas. Impactos. É a isso que se limita a sonoridade de Gravidade. Em momentos críticos você pode até pensar “Ei, eu ouvi um barulho de explosão aqui”, mas é aí que entra outra grande sacada do filme: Todos os barulhos “dramatizados” que deveriam acontecer são criados, na verdade, pela trilha sonora. Acordes estrondosos em momentos silenciosos onde deveria acontecer o som de uma explosão. É assim que a trilha sonora funciona em Gravidade: Como um recurso para intensificar um teor narrativo mais dramático, mas respeitando as leis da Física. Para quem é familiarizado com a franquia Mass Effect, um efeito semelhante é apresentado no trailer do Mass Effect 3, quando os Reapers destroem naves humanas de sobreviventes. Você não ouve o som da explosão, mas um acorde berrante dos metais na peça Leaving Earth, do Clint Mansell. Falando sobre detalhes, um dos momentos em que essa questão do som é muito bem apresentada é numa cena em que a Sandra Bullock está numa shuttle e a escotilha se abre. Fisicamente falando, nesse momento todo o ar é expelido para fora, tornando o interior da shuttle um ambiente de vácuo. E a música que até então estava tocando alta, cessa de repente, voltando apenas quando a escotilha é fechada e, consequentemente, o ar retorna para dentro da shuttle. E essa genialidade sonora merece bastante atenção, porque é outro ponto forte do filme.
Voltando para o longínquo começo desse texto, eu falei que Gravidade era, antes de tudo, uma metáfora. E aqui explico o por quê: Gravidade fala sobre a vida. Ele fala sobre as dificuldades que passamos. Ele fala dos laços de dependência que rompemos, como os filhos que vão para longe de seus pais. Ele fala sobre lidar com responsabilidades, e ele fala de como você não consegue fazer algo simplesmente por querer fazer aquilo; Você precisa batalhar para conseguir o que você quer. É uma leitura bem interessante do filme, mas ainda não é a que mais me interessa. Pra mim, Gravidade é sobre o renascimento. Pode ser a reencarnação, pode ser o fato de “renascer” após momentos complicadíssimos. Cenas que reforçam isso são quando a Sandra Bullock entra na Estação Espacial e a câmera a foca como se fosse um feto. Isso é interessante inclusive em questões narrativas, porque é a partir daí que a Dra. Stone, personagem da Bullock, finalmente começa a se “desenvolver”. Até então ela é somente uma personagem vazia, funcionando como um fardo para o personagem do George Clooney. Após essa “gestação” ela está pronta para finalmente crescer. Há também a questão que trata a cena final como um resumo de toda a evolução humana, como se a Sandra Bullock fosse o ser primordial da nossa raça, nascendo de novo. Eu juro que naquele momento esperei alguns macacos aparecerem por lá, fazendo uma das maiores homenagens/twists da História.
E, no final das contas, Gravidade é um filme excelente. Excelente em questões técnicas, em questões metafóricas e narrativas. Ele constrói um Universo gigante em uma história muito simples, porém honesta e respeitosa à verdadeira ciência. Ouvi um comentário que dizia que “Gravidade é o primeiro filme espacial feito para maiores de 16 anos desde 2001”. Concordo em partes. Moon está no caminho, e trabalha muito bem as questões psicológicas de um astronauta, mas eu acho que um filme espacial com essa beleza e esses significados, ah, isso é mérito apenas de Gravidade e 2001 mesmo. São filmes inteligentes, filmes incrivelmente belos e filmes que sabem trabalhar as suas narrativas. Narrativa não é apenas uma história bem contada, mas é somar todos os elementos disponíveis para ajudar a contar aquela história da melhor maneira possível. E é nisso que Gravidade se supera. Com um roteiro excelente, uma direção impecável e uma cinematografia que beira o genial, eu posso afirmar que, até agora, esse é o melhor filme que vi neste ano. O filme que mais me empolgou, que mais me fez ficar apaixonado. Questões técnicas e astronautas à parte, é um filme sobre a raça humana. É um filme sobre os seres humanos, um filme sobre você e eu.
Gravidade é um filme genial.