[Crítica] – Intersestelar

Christopher Nolan é inegavelmente um dos melhores diretores da atualidade. Desde que tomou conta da excelente trilogia do Batman (com seu ápice em 2008, em O Cavaleiro das Trevas), seu nome ganhou notoriedade e atenção, especialmente pela forma realista com que ele aborda suas histórias. No entanto, mesmo os filmes anteriores a essa época já mostravam traços desse estilo racional, como é possível acompanhar nos ótimos Following e Amnesia. Toda essa racionalidade, porém, é o que prejudica Interestelar.

O primeiro do ato do filme é um bom momento para as construções. Seja de personagem, de clima ou de roteiro, é nesse momento que a história começa a ganhar uma cara. A execução dessas introduções é boa, mostrando uma relação interessante entre Cooper (Matthew McConaughey) e seus filhos Tom (Timothée Chalamet) e Murph (Mackenzie Foy), intensificada pela cena em que eles estão na caminhonete caçando um drone. Essa cena é linda por evocar justamente a relação daquela família, com uma atuação incrível de McConaughey – que intensifica a emoção da cena – e a trilha sonora estonteante de Hans Zimmer.

Ainda no primeiro ato há também a interação da pequena Murph com um “fantasma” que assombra o seu quarto, derrubando os seus livros e lhe passando mensagens em código. Pouco se é explicado sobre esse fantasma, especialmente pela natureza extremamente racional de Cooper (e de Nolan) por afirmar que fantasmas não existem.

No entanto, saindo numa aventura com a sua filha em busca de um lugar misterioso, eles acabam entrando na última base (já secreta) da NASA. E é a partir daí que o filme ganha força.

Cooper encontra lá o seu antigo professor, Dr. Brand (Michael Caine), que explica sobre o estado terminal da Terra – ilustrado bem por Nolan com uma sucessão de pragas e tempestades de areia nas cidades – e sobre suas teorias. Uma delas, de que a única forma de salvar a raça humana é colonizando outros planetas. Para isso, Cooper teria que pilotar uma das naves do projeto rumo ao espaço, e ser justamente um desses colonizadores/exploradores. Até aí, um grande clichê da ficção científica. Mas tudo bem, não é pelos clichês que as histórias são julgadas, mas pela execução dele. E é isso que nos leva para o segundo ato.

Tendo aceitado a missão porque isso significaria a salvação de seus filhos (e da raça humana, consequentemente), é possível observar uma mudança em sua relação com os mesmos, a base para momentos dramáticos excelentes no decorrer do filme. Na cena em que Cooper sai de casa, inclusive, há um raccord interessante entre sua caminhonete e o foguete da nave, estabelecendo que o distanciamento de Cooper dos seus filhos é similar ao distanciamento do ser humano da Terra. Isso serve para reforçar como a ligação daquela família acontecia, e como é doloroso, porém necessário, para Cooper deixá-los para trás.

A parte da viagem pelo espaço é a melhor do filme. Os visuais são embasbacantes, e a forma como Nolan lida com os silêncios também. Porém, o excesso de racionalidade – e até arrogância – por parte do diretor, que insiste em explicar partes temas e questões que não necessariamente precisam ser explicadas, torna tudo maçante e artificial. Os personagens na nave, com exceção de McConaughey, são tão humanos quanto os robôs que auxiliam nas tarefas. E isso é crítica para ambos. Nem os humanos Amelia Brand (Anne Hathaway), Doyle (Wes Bentley) e Romilly (David Gyasi) conseguem ser humanos demais, mostrando-se frios e extremamente lógicos diante da imponência do espaço e da beleza do buraco de minhoca, nem os robôs conseguem ser artificiais demais (é muito difícil você entender somente pela dublagem que os robôs são máquinas. Um problema considerável). Isso cria uma dificuldade para o espectador imergir naquele ambiente, mas por sorte o grande foco é em McConaughey e ele faz um trabalho espetacular.

A atuação dele, inclusive, é o grande destaque do filme. Na cena em que retorna à nave após enfrentar um planeta hostil (não só pelo seu ambiente, mas por outro fator que fica bastante claro durante a viagem), ele começa a assistir as mensagens deixadas por seus filhos e a reação que traz é emocionante.

Os planetas visitados poderiam ser, por si só, uma obra à parte. O grande problema é que Nolan, ao insistir em quadros fechados ou por focar somente em seus personagens, esquece a importância do ambiente para a narrativa. Filmes de ficção científica utilizam o recurso de planos muito abertos justamente para mostrar e estabelecer o local onde os personagens estão, ilustrar o ambiente. Pouco disso é utilizado por Nolan, dificultando a compreensão geral do tipo de situação em que os astronautas estão se colocando.

Mas tudo isso leva para uma das cenas mais sensacionais do filme, na qual eles precisam escapar de um planeta e tentar acoplagem com a “estação espacial” que os espera em órbita. Concluindo-se num momento em que Nolan mostra toda a potência e beleza de um buraco negro de muito perto, a cena termina com um “Para se dar um passo à frente é preciso deixar algo para trás”. Uma cena emocionante, sem dúvida. E seria essencial que Nolan a seguisse para que Interestelar fosse um ótimo filme. No entanto, ele foi incapaz de deixar a racionalidade para trás e abraçar o desconhecido, o misterioso, o oculto. E é a partir daí que o filme começa a falhar vergonhosamente.

O terceiro ato se inicia com a conclusão daquela missão. A partir daí, começam a surgir as respostas para os grandes mistérios e problemas do filme. Só que para responder todo o desconhecido, os irmãos Nolan abusam do conceito Deus Ex Machina – ou, como cunhado por Pablo Villaça, Deus Ex Quantum – e utilizam-se da física para explicar de maneira absurda exatamente tudo.

O problema não é nem se isso é cientificamente possível ou não. O problema é que, como ferramenta para um desenvolvimento narrativo, é péssimo. É fraco. É vergonhoso. É uma saída tão banal e deslocada, tão “tirada da cartola”, que chega a ser lamentável. E o pior não fica nem nas explicações para alguns mistérios do início do filme, mas a continuação disso tudo. Há uma cena onde Nolan recorta um pedaço de 2001 de Kubrick e cola em seu filme (incluindo a trilha sonora), e ela soa tão solta ao restante que perde completamente seu significado. Há uma menção – covarde, eu diria – a uma das promessas feitas por Cooper para Murph no início do filme e, por fim, há uma cena absurda, que fecha o filme de maneira risível.

Nolan conseguiu estragar uma jornada interessantíssima por conta de um terceiro ato covarde e risível. Comparo-o ao de Edge of Tomorrow justamente por essa falta de coragem em mostrar algo realmente dramático e possivelmente chocante. E, mesmo com sua arrogância de querer explicar tudo para o espectador, muitas perguntas ainda mais complicadas ficam soltas no ar após o início dos créditos. É lamentável ver que um trabalho tão magnífico se estrague por uma situação tão infantil.

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